terça-feira, novembro 30, 2004

Carancho

T... tinha a incerteza na alma daqueles que plantam e espera mui larga daqueles que colhem. Mirava a ressolana que castigava a lavoura. Um campito detrás do rancho meia dúzia de pés de milho, mas que eram muito importantes. Havia galinhas no pátio cacarejando pedindo bóia, um matungo judiado que também ganhava milho, filho e a mulher. Nem imaginava ter que pedir de novo uns cobres pro coronel. Por causa dessa sandice perdera o campo do fundo no começo do mês. O que mais lhe sangrava no peito eram os piazitos mui magros que tenteavam de bodoque as perdizes no capoeral. Essa safra o Patrão do céu vai ser bueno comigo, deve mandar a chuva para a lavoura vingar. Pura e santa ingenuidade. A chuva não veio, o campo se fez morte e não vida e um dos piazitos, por fraqueza, não cruzou o inverno brabo. Uma mágoa queixosa bateu-lhe nos alhos e a chuva que não veio nas lágrimas se mostrou. E o sal que lhe molhava o rosto, deixando a boca em fel lhe fez erguer os olhos e clamar para o céu. Que Deus olhasse para sua desgraça e mandasse ventura ou olhe dizimasse a raça.
Na madrugada campeira não foi T... que chorou mas o céu - morada das almas puras - que mandou água e esperança para este rancho de um carancho que cismava em acreditar e sonhar.
Porto Alegre, cheia de novembro.

sábado, novembro 27, 2004

A Lua que posso tocar

Quando mirei a lua redonda, não no céu, mas seu reflexo no lagoão, senti que o mundo era bueno uma barbaridade. E eu que vinha a trote, do povo para a estância, parei num repente e fique ali bobeando aquela lua mui linda que vez por outra se mexia, pelas maretiadas dos biguás. Compreendi, então, porque muitos a transformaram em deusa. Grande, redonda com aquelas manchas escuras cheias de segredos. Além do mais, és Lua, nome bonito de china que enfeitiça tanto quanto aquela do Jarau. Mas teu encanto é diferente, não é a plata que consome o índio por dentro, é o teu segredo a melodia do teu nome. Quem sabe um dia tu foste mulher, de carne e osso, que pucha! A mais bela entre as outras devias ser. Terias cabelos negros de noite, olhos mui negros, também, estes, doces e escuros como a guabijú e de pele morena... sim morena, porque a deusa dos meus sonho tem a pele morena como cuia, como terra. Eras tão bela que nosso Patrão te quis junto dele e mais, te quis como deusa, como mistérios, como um querer que não se alcança. Apeio, levo a mão para tocar o teu reflexo e o que encontro é a água fria, morta do lagoão. Que pealo, pensar que as deusas poderiam habitar entre paisanos tão rudes e tão simples. Lavo a cara e as lembranças, pé no estrivo dou uma última mirada como que num adeus e a trote largo me bandeio para a estância onde a Lua também é morena e nessa sim, posso tocar.

Porto Alegre, cheia de novembro.

quarta-feira, novembro 24, 2004

Temô de Volta

Enfim a tranqüilidade! Pois é patrícios, hoje desatei a soga do gateado, lavei o lombo suado e o soltei no pasto. Quanto a mim, estendi o baxero os peleguitos e me atirei debaixo da figueira para uma buena sesteada. Foi-se a lida empeçada, ficou o cansaço e a esperança de que ela não fora em vão. No mais ando tocando cavalo. Fim de ano é sempre uma galopeada em disparada, mas já estou contando os dias pras féria, e daí, me toco pro meu interior. Gado, campo, minha Florecita pra matear nas manhãnitas do pago, isso que é vidão. De agora em diante o velho Curador volta ativa, e os que já estavam pensando em deixar de visitar o Capando por falta de peçuelo, podem ir desistindo. Bueno, patrícios por hoje é isso, to bem esgualepado e a cabeça anda pedindo traveseiro, entoces, hasta la vuelta.

Porto Alegre, crescente de novembro.

sexta-feira, novembro 19, 2004

Hemanos, loco de especial...

Como lhes disse hoje eu meu cumpadre Marcador estivemos em Viamão charlando com um pessoal loco de especial. Gente simples, mas de alma nobre. Foi por demais poder passar o pouco que sabemos para eles. Pessoas interessadas em compreender o porquê das coisas, rever valores e conceitos. Podemos tocar, conversar e aprender muito com estes hermanos. Não éramos melhores nem, tão pouco, superiores mas aprendizes. Vivências trocadas nas experiências mais singelas daqueles que muito viveram. E que têm muito para ensinar. São nestas coisas simples da gente que percebo o quanto o Patrão tem nos abençoado. Da convivência sobraram buenos regalos que, de fato, não merecemos, mas que vêm com chuva boa em meio ao estio. A estes patrícios fica o meu mais sincero muito obrigado.
Porto Alegre, crescente de novembro.

quinta-feira, novembro 18, 2004

Ainda não foi desta vez...

Bueno patrícios, ustedes devem estar sentindo falta dos posts, ainda ando abichornado por causa da prova que vou fazer na semana que vem. Contudo, dei uma cruzada pra avisá que tô vivo e intero. Amanhã eu e meu patrício Marcador vamos até Viamão dar uma palestra sobre "O Negro na Fundação Étnica do Gaúcho" além de prosiá com os índios vamos tocar alguma côsa. No mas, todo de mi flor. Aos que têm entrado na comunidade do ingurte um bienvenido e aos que ainda não entraram fica o convite.
Termino com um regalo: "Quando o pai que foi gaiteiro, desta vida se ausentou. O negro piá solitário, tal como pedra rolou. E se fez homem prosiando, com a gaita que o pai deixou.

Porto Algre, nova de novembro.

sábado, novembro 13, 2004

Explicações aos patrícios

Bueno patrícios, como ustedes já devem ter percebido número de postes do Capando tiveram uma séria queda nas últimas duas semanas. Embora, o Maneador já tenha se desculpado, este é sempre muito preocupado com nossos patrícios, resolvi também explicar o quê está acontecendo.
Empecei uma lida das mais vaqueanas e que tem exigido de mim muito esforço e tempo e por causa disto não tenho postado. Isso ainda vai durar mais umas duas semanas, se o Patrão de nossotros todos permitir, e daí a lida toma o seu rumo normal.
Mais uma coisa, agora o Capando possui uma comunidade no Orgurte querendo podem se filiar.

Porto Alegre, minguante de novembro.

quinta-feira, novembro 11, 2004

Na época em que os bichos falavam...

Quem se criou na campanha conhece os mais diferentes tipos de habitantes dos nossos capões de mato e do campo. Pois bem, vai que a muito tempo atrás esses bichos falavam e é nesta época que se situa o que quero contar.
Num grande capão de mato bem próximo a um lagoão vivia uma família de bugios. Uma família não, uma comunidade de bugios. Todos eles viviam faceiros da vida com aguada e comida farta, poucas eram as preocupações e os desentendimentos. Quem comandava essa bugiozada toda era o mais velhos dentre eles chamado: Antenor "o inflexível". Era conhecido por este epíteto por causa de suas decisões sempre firmes e arbitrárias, as quais, todos acatavam com uma confiança infantil.
A vida ia as passo tranqüilo: Antenor mandava e os outros obedeciam. Um dia depois de uma forte tormenta de inverno, os bugios responsáveis por coletar a comida encontraram algo diferente no setor norte do capão. Eram bugios, também, só que de pelagem e cara negra. Voltaram a trote largo para a comunidade e foram relatar a notícia para o inflexível Antenor, este ficou mais do que preocupado e em uma reunião de emergência com o serviço de inteligência - que de inteligência não tinha nada, pois eram um bando de paus mandandos - resolveu-se que deveriam espionar o tal grupo.
Mais do que depressa montou-se a força tarefa e rumaram para o setor norte. Ficaram muito impressionados com o que viram: a comunidade dos bugios negros já estava muito adiantada em suas construções, viam-se escolas, igreja, uma espécie de estádio sem o campo no meio e menor, as famílias pareciam muito felizes e todos conversavam entre si amigavelmente. Como não eram bons espiões foram logo descobertos e ao invés de serem atacados, foram chamados para uma charla. De primeiro estes estavam sestrosos, mas entre um mate e outro, acabaram se tornando menos arredios. E entre uma conversa e outra descobriram que estes não possuíam chefe, tampouco um líder e que a comunidade era direcionada por um conselho e as propostas aprovadas em assembléia.
Voltaram para a sua comunidade abismados com tamanhas novidade e bem no fundo sentiram uma pontinha de inveja. Ao relatarem o visto para seu líder este baixou um decreto na mesma hora: "Todos estão proibidos de ir até o setor norte e de ter qualquer contato com os bugios daquele setor". A maioria acatou sem questionar, alguns dos que haviam estado entre os bugios da outra comunidade fugiram e passaram a morar com eles. Quando soube disso Antenor promulgou leis ainda mais severas e cerceando a liberdade de seus "súditos". Uma missão de paz, neste ínterim, foi enviada pelos bugios do norte, mas nem sequer foram recebidos. Diante de tal situação o povo acabou se dividindo em duas alas: os que eram pró diálogo e os que eram partidários do Antenor. Como eram a minoria os liberais - assim foram chamados mais tarde - foram facilmente calados ou apagados.
O setor norte acabou por se tornar para alguns sinônimo do inferno e para outros uma realidade inatingível. Como um sonho bom, ou uma daquelas velhas histórias que se contam em tardes de chuva onde há felicidade e liberdade para todos.

Porto Alegre, minguante de novembro.

sábado, novembro 06, 2004

Que bicho...

A chuva mansa que molha o campo refazendo esperança. O berro do terneiro de lombo molhado ao lado da rês. E o quero-quero que se esconde sestroso n'alguma tronqueira esperando que a chuva matreira vá mermando até se acabar. Num clarão de algum relâmpago uma perdiz assustada bate asas na direção da ramada. Encostado no oitão o cusco também mira a chuva, não só mira como sente na pele seus respingos que insistem em fazê-lo passar frio. Não vê luzes no rancho e nos ouvidos atentos só o tilintar das gotas batendo no chão. Vez por outra um berro de touro ou um estrondo de relâmpago corta a quietude. A colita entre as pernas, os tremores que o assaltavam e uma queixa no olhar. Que bicho é esse chamado homem que deixa seu amigo na chuva morrendo de frio? Que bicho é esse chamado homem que faz dos amigos mais chegados distantes na hora do aperto? Que bicho que é esse chamado homem? Que bicho...

Porto Alegre, minguante de novembro.

quinta-feira, novembro 04, 2004

Chasquito

Buenas patrícios. A coisa anda braba mais vai se levando, é que por esses dias ando me ocupando com um mundo de coisas e o tempo para postar está escassiando. Mas como sei que existem leitores assíduos do Capando não poderia deixar de dar-lhes um buenas ao menos. Sobre o que tem acontecido nos últimos dias não há muitas novidades, o feriado dos mortos foi festejado por nossostros com um churrasco mui bagual no rancho do Capando. Ilustres presenças de amigos antigos e outros novos que estão se aquerenciando. O Maneador, o Marcador e eu até demos uma canjinha para os presentes tocando alguns clássicos embalados a uma ponchada de sapucais.
Patrícios faço compromisso de esta semana postar algo de serventia. No mas como diz meu patrício Maneador: "hasta la vuelta!"

Porto Alegre, cheia de novembro.

quarta-feira, novembro 03, 2004

Desbocado e sem costeio...

Não sei quanto a ustedes, mas tem mañana que yo acordado com o diabo no corpo. Dá vontade de tomar um talagaço de canha, virar o cano da bota e me sair pra escaramuça da lida pampeana. Arreglar um bueno "criollo", tracejar una cruz na estampa e me enforquilhar campo afora...
Mas tche daí, repenso em tudo o que me vem aos braços pelo Patrão Velho: esta buena vida no sagrado chão do Continente de São Pedro, o mate na roda lá do galpão com os patricios, parceiros pra toda a lida, os carinhos da percanta, mas ah...
Bueno, e bamo tocando la vida...
Porto Alegre, Dia dos Vivos e desbocados....Novembro/2004.