domingo, agosto 27, 2006

O Forasteiro

Vinícius Brum / Mauro Ferreira / Luiz Carlos Borges




Na sombra de um bolicho à beira estrada, daqueles que do mundo se perdeu
Encontra-se uma gente reunida, a espera de um chamado de seu Deus
Perfumes de bom fumo amarelido, paredes com suas almas penduradas
Paciências de um lugar envelhecido, e uma coragem de quem não tem nada

Apeia um forasteiro: o que é da vida responde o bolicheiro: está cansada
A gente de bombacha anda esquecida desiludida nos beirões da estrada
Buscamos nossa terra prometida um mundo pras crianças e pros velhos
O sul que nós sonhamos onde a vida devolva o que branqueou nossos cabelos

Mas cada ano a seca de janeiro, precede um novo inverno de asperezas
Parece que o destino do campeiro não pode pedir mais que pão na mesa
E aos poucos, o que diz o bolicheiro se multiplica em vozes pelo ar
E volta a se calar o forasteiro, junta o violão no peito pra cantar

Já vi quase de tudo em minha vida, a séculos que ando pela estrada
Vi a morte sobre a terra prometida, e a vida sobre a terra abandonada
Vi um homem pondo fogo na colheita, enquanto outro semeava num deserto
Já vi perto o que ontem era um sonho, e longe vi o que sempre fora certo

Um povo sonha Deus a sua imagem, e Deus devolve a terra a cada povo
Moldada no trabalho e na coragem que o povo usou pra levantar o sonho
Aqui é nosso inferno e paraíso, a vida é uma planta por cuidar
A que morrer por ela se preciso, o sul somente o sul pode salvar

Assim falou pro povo o forasteiro, depois montou e envolto num clarão
Sumiu emoldurado pela tarde, bem como o sol dissipa a serração
Uns dizem que mais altos que os cerros ele segue abençoando este rincão
Mas muitos acreditam que essa gente ouviu a voz do próprio coração

O certo é que um a um se foi às casas, por que havia uma planta por cuidar
Arar a terra a cada madrugada, para a semente que há de germinar
O homem faz seu Deus que faz o sonho, um sonho azul maior que este lugar
Na luz que vem dos olhos dessa gente, o sul um dia se iluminará

Porto Alegre, nova de agosto.

quarta-feira, agosto 23, 2006

Eu até deixei as rinhas
Talvez por penalizado,
Ou talvez por espicaçado,
Que o remorso não perdoa,
Por que se a vida é tão boa.
É um banditismo da gente
Fazer de um bicho valente
Matar ou morrer à toa!!


Na rinha os puaços corriam soltos: o galo mais delgado, dono de esporas mui grandes, contava com a cara toda lanhada, enquanto seu adversário, menorzito um pouco, trazia o bico quebrado. Ninguém ousava intervir e o dinheiro corria solto... todos sabiam que, a bem da verdade, quem ganhava era o dono do rinhadeiro, mas, como diziam a maioria, era por diversão que faziam os bicho pelearem, não pelos cobres.

Bombeando de longe o bárbaro espetáculo, Onório sentia uma dor ingrata no peito. Maleva o homem que faz daqueles que consegue serviçais do seu divertimento. Não era diferente na estância, nos galpões, nas cidades... alguém sempre estaria a mercê do divertimento alheio. Será isso destino ingrato dos que não têm com quem contar!? Muitos dos que ali se encontravam serviam tanto, ou mais, a patrões muito mais cruéis, que não os obrigavam a brigar, mas a mendigar o pão, a existência. Via o Ramão aos gritos de ala pucha e pensava que a sina ingrata lhe fizera matar a própria filha, pois esta engravidara do filho do coronel. Largados no lançante, assim, os pensamentos lhe faziam concluir que, talvez, a dura sorte dos galos finos não fosse das mais injustas... O homem é um galo cego e sem puas lutando contra outro bem gordo, armado e empuado...

Nessa hora jazia morto o menorzito, lanhado e ensangüentado, enquanto os vencedores compravam mais canha com os trocos do prêmio.

Porto Alegre, nova de agosto.

sábado, agosto 19, 2006

Fragmento

Se no primeiro tiro de laço não se piala o cupinudo, entonces hay que empeçar nova lida.

Porto Alegre, nova de agosto.

quarta-feira, agosto 16, 2006

Alas fresca!!!

Será que o colorado ganha!?

Porto Alegre, nova de agosto.

P.S. No mês do cachorro-loco tudo é possível!

segunda-feira, agosto 14, 2006

Ovelha não é pra mato

0 preparo da invasão de Santo Tomé não era segredo em São Borja. Além do pessoal do 14, que deveria cruzar o Uruguai à gaúcha por despiste, o Coronel Beijo andava a aliciar mais gente com promessas de recompensa. Conhecedor das situações individuais, sabia "chegar" em cada um conforme as necessidades. Com tal fim, abordou o comerciante J.A.:

- Escuta, Zequinha, sei que teu negócio não desenvolve. Por isso te proponho que tomes parte na invasão. Tu vais na segunda leva, só para fazer número, que isso impressiona e os castelhanos vão pagar por cabeça. Vai e te forra de mercadoria, que vão dar saque livre.

Zequinha pôs-se em brios. Miudinho e trêmulo, lá estava ele naquele fatídico 29 de dezembro de 1933. Cruzou o rio pensando na "venda" sortida. Porém, ao pôr pé em terra, sentiu que algo se atravessava em seus planos - a resistência dos gendarmes era maior que a esperada. Corria bala a torto e a direito! Um graduado da policia correntina varria a praça de Santo Tomé, encarapitado num telhado. Por pura "gala criolla" até tirava um trecho do "Zé Pereira" na metralhadora!

E agora?!

Zequinha se benzeu para agarrar coragem. Tirando partido de seu tamanho de pouca sombra, esgueirou-se no meio do tiroteio, chegou até a um bolichão e entrou. Atingira seu primeiro objetivo, mas as prateleiras estavam vazias! Só restara, no alto de uma delas, um belo e solitário par de botas... Num pulo, deu de mão, pô-las embaixo do braço e saiu rastejando por vielas desertas, até se por a salvo. Saltando para dentro da balsa, praguejou, fazendo figa para o chão estrangeiro:

- Não volto rico, seus bostas, mas este troféu vai provar a minha coragem!

No meio da noite, bateu em casa. Desvencilhou-se dos trajes guerreiros e acessórios de briga (um Nagant que engasgara com o medo do dono, uma língua-de-ximango com cabo de espiga e um bocozinho com vinte cartuchos), e foi provar as botas na frente da família. Caiu de queixo: havia trazido duas botas para o mesmo pé!...

Porto Alegre, nova de agosto.

quinta-feira, agosto 03, 2006

Depois que encerrou a correria eu achei que ia postar como fazia antes, ledo engano. E não foi por falta de assunto, tampouco por mermarem as tentativas: solo paro na frente deste teclado, começo a digitar e não saí nada que presta. Bueno, o jeito é recobrar o velho ritmo aos pouquitos, contando uma que outra mentira e cosa-e-tal... Ando lendo "Rodeio dos Ventos" do Barbosa Lessa, muito interessante, principalmente, o primeiro capítulo. No mais, tentado encontrar algo que valha apena ser escrito. Estive em Três de Maio, mas isso eu conto melhor outro dia, por enquanto é só...

Porto Alegre, nova de agosto.

P.S. Vai ver que é a influência má do mês do cachorro-loco que tem me tirado o prumo.