quarta-feira, fevereiro 02, 2005

Ser Potro

Ficou somente um esteio em meio a cinzas e fumaça. O incêndio destruiu todo o rancho e o pobre Juca, parado mirando o triste quadro, sentiu-se muito mais invalido, cocho e velho. Por não poder fazer nada enquanto o fogo crepitava, matando toda as lembranças que o rancho guardava. Quem podia pensar que coronel Belarmino tomaria tal atitude para com ele, posteiro há décadas, pensava num repente. Contudo, o mesmo coronel que muitas vezes pedira-lhe favores, que fora padrinho dos guris, que fizera a desgraça da Marianita... era o mesmo homem que mandara incendiar o rancho desde qüera, que num jeito de velho umbu, trancara o pé no momento em que foi mandado embora. Maldito Belarmino! Maldita justiça, que não cobra do rico e faz com que o pobre viva solito peleiando pra sobreviver. O fumo que levantava do que fora rancho, misturava-se com o vapor que levantava da grama naquela manhã que nascia. E o velho Juca cansado da vida, da sua desgraça sonhava pensando um futuro melhor. Onde ele seria um potro solto num campo sem aramado, sem marca, nem dono, correndo faceiro por plainos e cainhadas livre de verdade. Pensava que somente se nascesse potro poderia viver tal liberdade, pois aos homens foi legado um jugo de obediência servil ao patrão chamado Ganância. Sendo potro não haveria esta herança, esta desgraça. Lembrava-se direitito quando na madrugada seis soros chegaram de madrugada, num galope louco, atearam fogo nos quatro cantos do rancho e se bandearam pros lados do povo tão depressa quanto chegaram. Depois disso só lhe vinha a memória o momento em que o telhado desabou e ele, sem saber como, estava de pé bombeando tudo do lado de fora. Será favor de nosso Senhor!? Ou o destino que lhe dera cancha!? Quem sabe? E a fumaça e o vapor continuam subindo para um céu azul que negaceou para Seu Juca melhor sorte nesta vida e ele que só queria ser potro continua a ter dono, marca e buçal.


Porto Alegre, cheia de fevereiro.

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