quarta-feira, julho 05, 2006

Achei este texto no jornal de hoje, muito interessante e, por isso, resolvi compartilhar com os patrícios. No mais ando tocando cavalo... semana próxima, volto a postar com "modos de gente".

Bolinha de gude

Kledir Ramil

Na era paleolítica, quando eu era uma criança caminhando sobre a Terra e ainda não haviam inventado o Play Station, jogava-se bolinha de gude. A palavra gude vem do provençal Gode e quer dizer "pedrinha redonda, lisa". Em geral, as bolinhas de gude eram feitas de vidro transparente, com desenhos variados, uma mais bonita do que a outra.

A Bocha era uma exageradamente grande e proibida nas disputas, pois quebrava as pequenas. Assim como a Esfera de Aço, o terror dos terrenos baldios, onde eram montados os nossos campos de batalha.

Havia também bolinhas de osso, de madeira e até de cobre, mas eram raras. Com o uso, todas elas iam ficando meio lascadas. Perdiam em beleza, mas ganhavam em eficiência.

O jogo, também conhecido como Bulita, consistia basicamente em acertar, com a sua, a bolinha dos outros. A coisa podia ser "às brinca" ou "às ganha". Nesse caso, quem era acertado perdia a bolinha. Por isso, cada guri carregava um saquinho de pano, que ia enchendo ou esvaziando, conforme a destreza pessoal. Ou então o tamanho da mesada. É claro que as bolinhas compradas no armazém da esquina não tinham o mesmo valor daquelas conquistadas em campo. Cada uma dessas era um troféu, com sua história particular, nome do perdedor e algumas mentiras inventadas para valorizar ainda mais o feito.

A técnica usada para jogar era simples. Apoiava-se a bolinha entre os dedos polegar, do meio e indicador. Ou seja, o dedão, o pai de todos e o fura-bolo. Com uma leve pressão do polegar, a bolinha de vidro era arremessada em velocidade na direção do alvo, a coitada da bulita do outro. Quem não tinha muito estilo e elegância no trato do jogo usava uma técnica conhecida como cu-de- galinha. E virava motivo de gozação. Era preciso estar preparado para enfrentar a crueldade das ruas.

Lá em Pelotas, o tipo de jogo mais comum era o Imba. Um buraco cavado na areia, que funcionava como zona neutra, de onde se partia para acertar os concorrentes. O Triângulo era mais sofisticado. Desenhava-se no chão, com um pedaço de pau, um polígono de 3 lados. Em cada vértice era colocada uma bolinha. Quem conseguisse acertar e fazê-la sair para fora dos limites do desenho, levava.

Um dia, eu estava no campinho, jogando com alguns amigos. De repente, surgiu um marmanjo mais velho com cara de marginal e gritou: "Levante!". Roubou todas as bolinhas, botou no bolso e foi embora.

Foi aí que comecei a me dar conta que o mundo era injusto e que viver não ia ser fácil.

Porto Alegre, quarto-crescente de julho.

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