terça-feira, junho 07, 2005

Tormenta

"Maria, chama os guris que vem tormenta!" gritou Nicácio da porta do rancho para Maria que estava no pátio recolhendo a roupa. Ela voltou o olhar por cima do ombro e continuou sua tarefa despreocupadamente. O esposo, ao ver que mulher não dera importância para o seu conselho, saiu a procurar a gurizada. "Esses malevas! Devem estar por aí fazendo arte e eu aqui me importando com eles." Enquanto Nicácio campeava pelos filhos, uma barra negra e densa vinha mui ligeira do lado chovedor. "La pucha! Ou eu encotro logo esse piazedo, ou tomo essa chuva no lombo." Pensava contrariado. Preferia estar em casa meteando, onde já se viu ele o homem da casa ter que correr atrás dessa piralhada, o pior é que Maria nem fizera causo do que dissera. "Essa mulher!" "De uns tempos para cá finge que não me ouve. Primeiro aquelas rusguinhas por minhas idas ao comércio de carreira, agora esse silêncio que as vezes me tira do sério. Qualquer dia eu perco a paciência e, aí, ela vai ver o que é bom prá tosse." E o tempo véio fechando, tronando alto, fazendo da meia tarde, tardezinha. "Onde se meteram aquelas pragas!" "Quando é para ir à escola é aquela ladainha, mas pro retouço não tem ruim." Nicácio ia nesse passo, um pouco praguejava, outro pouco bombeava as nuvens gordas sobre sua cabeça. "O pior é que saí sem chapéu, agora essa maldita tormenta empeça e eu quero vê." "Fulano!, Betrano!" "Quem sabe quando eu voltar a mulher esteja mais mansa. Pode ser que até me regale com algum carinho por ter ido atrás dos guris." "Bah! Já faz um tempito que ela nem me olha. Se deita vira pro lado e pronto. E eu loco de brabo. Tenteio ainda algum carinho, mas a bicha faz que tá dormindo e fico chupando o dedo." De repente, um clarão dali a pouco um estrondo. "Esse foi perto!" "Melhor eu achar os piás loguito" Apertou o paço rumo ao capão, gotas pesadas e mornas já lhe batiam no rosto. Parou, chamou e nada dos filhos. "Já devem ter voltado pra casa, numa altura dessas." Vez meia volta e a trotezito garrou o rumo do rancho. "De hoje a Maria não passa, ou ela cumpre com seu papel de esposa, ou me mudo pra zona." Por um instante parou, silente, e reparou na bobagem que pensara. Onde já se viu ele um homem de bem ir morar na zona...
Quando chegou perto da morada, os meninos já estavam coma mãe à porta. Entrou, cabeça baixa, tirou a roupa encharcada tomou um trago e foi se deitar. Enquanto, lá fora a tormenta já tinha cruzado e, agora, uma chuva mansinha caia.

Porto Alegre, minguante de junho.

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