quinta-feira, março 24, 2005

Rancho

A luz da lua que entrava pelas frestas das paredes do rancho fazia enxergar o escasso mobiliário: uma mesa, dois mochinhos, algumas panelas de ferro e um chaleira enegrecida pela fuligem. Tudo era silêncio e calma, e a noite a desfiar sua cantilena. O teto de zinco com remendos aqui e ali que se tornavam goteiras nos dias de enxurrada. Porta e janelas rudes, sem pinturas e uma pequena varanda onde se viam estendidos sobre o cavalete as encilhas. Aquela morada simples abrigava seus segredos revelados em coplas embaladas ao assobiar do Minuano. Quando o frio era intenso seus esteios de curunilha pareciam tiritar acompanhando os de que nela viviam e, em tempo de ressolana, suavam sob o calor agreste. O ranchinho vira gerações inteiras nascerem e morrem como se o tempo, que castigava suas juntas e caibros, não era o mesmo daqueles. Amores, discórdias, guerras e revoluções todas as histórias contadas nas paredes furadas de bala. Embora as intempéries sobrevivera sereno, mas firme. A paisagem a sua volta cambiou, antes o que era apenas campo, ovelhas, gado e viventes; agora tomado por roncos, buzinas... Foi numa manhã de março que chegou-se junto dele a maior carroça que já vira, sem cavalos, mas fazendo um barulhão infernal. Dela apearam quatro qüeras, armados de pés de cabra e maretas. Não pode entender, de primeiro, no entanto quando lhe arrancaram uma das tábuas soube a que passava. Enquanto era consumido pela fúria de quatro covardes, mirava, pela derradeira vez, a pampa não esta que se fazia agora, mas aquela outra que sempre nas noites de lua lembrava a suspirar.

Porto Alegre, nova de março.

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