sábado, novembro 27, 2004

A Lua que posso tocar

Quando mirei a lua redonda, não no céu, mas seu reflexo no lagoão, senti que o mundo era bueno uma barbaridade. E eu que vinha a trote, do povo para a estância, parei num repente e fique ali bobeando aquela lua mui linda que vez por outra se mexia, pelas maretiadas dos biguás. Compreendi, então, porque muitos a transformaram em deusa. Grande, redonda com aquelas manchas escuras cheias de segredos. Além do mais, és Lua, nome bonito de china que enfeitiça tanto quanto aquela do Jarau. Mas teu encanto é diferente, não é a plata que consome o índio por dentro, é o teu segredo a melodia do teu nome. Quem sabe um dia tu foste mulher, de carne e osso, que pucha! A mais bela entre as outras devias ser. Terias cabelos negros de noite, olhos mui negros, também, estes, doces e escuros como a guabijú e de pele morena... sim morena, porque a deusa dos meus sonho tem a pele morena como cuia, como terra. Eras tão bela que nosso Patrão te quis junto dele e mais, te quis como deusa, como mistérios, como um querer que não se alcança. Apeio, levo a mão para tocar o teu reflexo e o que encontro é a água fria, morta do lagoão. Que pealo, pensar que as deusas poderiam habitar entre paisanos tão rudes e tão simples. Lavo a cara e as lembranças, pé no estrivo dou uma última mirada como que num adeus e a trote largo me bandeio para a estância onde a Lua também é morena e nessa sim, posso tocar.

Porto Alegre, cheia de novembro.

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