quinta-feira, novembro 11, 2004

Na época em que os bichos falavam...

Quem se criou na campanha conhece os mais diferentes tipos de habitantes dos nossos capões de mato e do campo. Pois bem, vai que a muito tempo atrás esses bichos falavam e é nesta época que se situa o que quero contar.
Num grande capão de mato bem próximo a um lagoão vivia uma família de bugios. Uma família não, uma comunidade de bugios. Todos eles viviam faceiros da vida com aguada e comida farta, poucas eram as preocupações e os desentendimentos. Quem comandava essa bugiozada toda era o mais velhos dentre eles chamado: Antenor "o inflexível". Era conhecido por este epíteto por causa de suas decisões sempre firmes e arbitrárias, as quais, todos acatavam com uma confiança infantil.
A vida ia as passo tranqüilo: Antenor mandava e os outros obedeciam. Um dia depois de uma forte tormenta de inverno, os bugios responsáveis por coletar a comida encontraram algo diferente no setor norte do capão. Eram bugios, também, só que de pelagem e cara negra. Voltaram a trote largo para a comunidade e foram relatar a notícia para o inflexível Antenor, este ficou mais do que preocupado e em uma reunião de emergência com o serviço de inteligência - que de inteligência não tinha nada, pois eram um bando de paus mandandos - resolveu-se que deveriam espionar o tal grupo.
Mais do que depressa montou-se a força tarefa e rumaram para o setor norte. Ficaram muito impressionados com o que viram: a comunidade dos bugios negros já estava muito adiantada em suas construções, viam-se escolas, igreja, uma espécie de estádio sem o campo no meio e menor, as famílias pareciam muito felizes e todos conversavam entre si amigavelmente. Como não eram bons espiões foram logo descobertos e ao invés de serem atacados, foram chamados para uma charla. De primeiro estes estavam sestrosos, mas entre um mate e outro, acabaram se tornando menos arredios. E entre uma conversa e outra descobriram que estes não possuíam chefe, tampouco um líder e que a comunidade era direcionada por um conselho e as propostas aprovadas em assembléia.
Voltaram para a sua comunidade abismados com tamanhas novidade e bem no fundo sentiram uma pontinha de inveja. Ao relatarem o visto para seu líder este baixou um decreto na mesma hora: "Todos estão proibidos de ir até o setor norte e de ter qualquer contato com os bugios daquele setor". A maioria acatou sem questionar, alguns dos que haviam estado entre os bugios da outra comunidade fugiram e passaram a morar com eles. Quando soube disso Antenor promulgou leis ainda mais severas e cerceando a liberdade de seus "súditos". Uma missão de paz, neste ínterim, foi enviada pelos bugios do norte, mas nem sequer foram recebidos. Diante de tal situação o povo acabou se dividindo em duas alas: os que eram pró diálogo e os que eram partidários do Antenor. Como eram a minoria os liberais - assim foram chamados mais tarde - foram facilmente calados ou apagados.
O setor norte acabou por se tornar para alguns sinônimo do inferno e para outros uma realidade inatingível. Como um sonho bom, ou uma daquelas velhas histórias que se contam em tardes de chuva onde há felicidade e liberdade para todos.

Porto Alegre, minguante de novembro.

Nenhum comentário: