terça-feira, novembro 30, 2004

Carancho

T... tinha a incerteza na alma daqueles que plantam e espera mui larga daqueles que colhem. Mirava a ressolana que castigava a lavoura. Um campito detrás do rancho meia dúzia de pés de milho, mas que eram muito importantes. Havia galinhas no pátio cacarejando pedindo bóia, um matungo judiado que também ganhava milho, filho e a mulher. Nem imaginava ter que pedir de novo uns cobres pro coronel. Por causa dessa sandice perdera o campo do fundo no começo do mês. O que mais lhe sangrava no peito eram os piazitos mui magros que tenteavam de bodoque as perdizes no capoeral. Essa safra o Patrão do céu vai ser bueno comigo, deve mandar a chuva para a lavoura vingar. Pura e santa ingenuidade. A chuva não veio, o campo se fez morte e não vida e um dos piazitos, por fraqueza, não cruzou o inverno brabo. Uma mágoa queixosa bateu-lhe nos alhos e a chuva que não veio nas lágrimas se mostrou. E o sal que lhe molhava o rosto, deixando a boca em fel lhe fez erguer os olhos e clamar para o céu. Que Deus olhasse para sua desgraça e mandasse ventura ou olhe dizimasse a raça.
Na madrugada campeira não foi T... que chorou mas o céu - morada das almas puras - que mandou água e esperança para este rancho de um carancho que cismava em acreditar e sonhar.
Porto Alegre, cheia de novembro.

Nenhum comentário: