terça-feira, dezembro 14, 2004

Ginete

"Cutuca na picanha!", gritava junto ao alambrado o patrão. Homem mui sério, dono de um vasto bigode, um corpanzil que apesar da idade inda se mostrava forte e um vozeirão, que num rompante, fazia a peonada tremer. "Dá-lhe rédea.", "esporeia" bradava eufórico o patrão. E o pobre ginete se via apertado. O vermelho corcoveava, escarciava e mudava de direção abruptamente e o homem, como que feito de mola, ia de um lado ao outro sem cair do lombo do maula. Que polvadeira levantou. Parecia até que eram dezenas de cavalos e não apenas um que corcoveava. Eram dois tauras peleando. Cada qual com seus objetivos: um pela liberdade; outro pelo soldo, pelo nome, pelo patrão. Quando estava no alto, no ápice do corcovo, o índio bombeava e via lá longe a estância e perdia-se num pensamento: Maria Rita. A filha linda daquele patrão que ralhava e gritava com ele. Estaria agora com o terço na mão, desfiando lentamente numa lamúria, pedindo a Virgem que protegesse aquele peão. Ah, Maria Rita, quanto desvelo, quanto afeto para te dedicar! E o ventena não desiste em seu entono de redomão. O ginete que por mirar a estância se perdera num sonho, volta a grudar-se nas rédeas e trata de fincar as esporar neste infame.
Com a cara vermelha, lambuzada pela terra que os corcovos levantavam e que no rosto se misturaram ao suor, parece até um índio ancestral. Desses que habitavam estes rincões antes de qualquer outro. Parecia que as gotas de suor que escorriam da testa e desprendiam-se do corpo na ponta do queixo eram sangue da terra, do homem e do cavalo. Foi quando num repente, o maula atracou-se na cerca da mangueira. Cuê Pucha! E o ginete olhos esbugalhados, veias saltadas pela força que empreendia, vira o malino atracar-se na cerca em desespero vira, também, o chão, a terra... e quando tentava levantar vira duas patas erguidas no ar, olhos como de um demônio e uma estocada na fronte. O céu tingiu-se de rubro e em meio a este rubror pode ver Maria Rita, na frente do oratório terço na mão, mãos mui brancas e delicadas, que virava para ele e lhe estendia os braços em abraço.
Desfaleceu sorrindo, os olhos abertos enquanto o patrão e a peonada se benziam.
Porto Alegre, nova de dezembro.

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