sábado, junho 17, 2006

Repost

Tardezita, sabiás e bem-te-vis pulam de galho em galho cantado faceiros. Na porta do rancho, sentado na soleira um gaúcho, bombacha remangada traz numa mão a cuia e na outra um palheiro. É o fim de mais um dia de lida. Sobre a face ainda tem o sal do suor que se mistura, vez por outra, ao amargo do mate. Se estica para alcançar a cambona, serve mais um amargo e num pequeno assobio chama para perto o cusco ovelheiro, amigo e confidente. O cusco se vem manhoso, orelhas baixas e cola erguida, se senta aos pés do qüera e fica a lhe olhar. "É companheiro a vida anda braba" foi só o que disse. Mas o cão conhecia bem aquele jeito de dizer sentido e murchou ainda mais as orelhas. O céu que em matizes colorados dava lugar para a noite, parecia simplesmente ser um reflexo dos olhos daquele que sentado, teima em sentir saudades. E o mate já frio e lavado, deixava na boca um gosto de angústia. Deitou a cuia no pé da cambona, calçou as alpargatas e se foi para o rumo do lajeado. Tencionava que lavando o suor do dia lavaria sua alma e a água que correia entre suas mãos levaria para longe essa angústia matreira. No costado do lajeado tirou as alpargatas, a camisa e remangou as bombachas. Já se ia longe o sol e o último rubor escassiara, ficara ele e o cusco sob a lua clara que vinha repontada pela boieira. Deixou-se ficar por um tempo ouvindo o murmúrio da sanga, que num compasso marcado cantava serena para ele escutar. O cusco sestroso olhou bem no seus olhos e devagarito foi se chegando para junto da sanga querendo a sede matar. Um silêncio infinito embalado pela aguada e os grilos, seguia insistindo que era preciso pensar. Desistiu do seu primeiro plano e despido se atirou na sanga com gana, queria lavar a alma, os pensamentos...
Bem cedo, Nicácio cruzando no passo bombeou um cusco sentadito do lado de um corpo nu, que o mirava sentido como dizendo: "é companheiro a vida anda braba!".


Porto Alegre, cheia de junho.

Nenhum comentário: