sábado, abril 08, 2006

"Es tan igual a mim que soy llevado a creer que sueña mis proprios suemos."

Prima, bordão, terça... arranjo simples, sem dissonâncias, ritmo forte e marcado, cheio de vigor, sangue e alma. Não se via o rosto do tocador, pois tinha a cabeça baixa bem próxima a guitarra, creio que ali havia algo que somente ele ouvia. As mãos rudes convertidas em pássaros, bordoneavam. Pernas alçadas, o corpo caído por sobre bojo do pinho e a noite longa e aquele rosto que não se via... Não posso dizer a vós que a Lua e as estrelas pararam a escutar, pois intuíam que nada daquele canto lhes era dirigido, mas a uma outra que muy longe também estava, tanto quanto as outras, talvez. Digo-vos que não vemos a sua face porque não a mais possuí. Sim, a perdera, ou melhor, a doara àquela Dona que para longe se foi. Desde esse dia suas feições perderam a cor, o brilho, até que se tornaram como que transparentes, inexistentes. Todos os seus sorrisos, os seus prantos se foram junto com aquela Dona. É provável que ela não os tenha guardado e se o fez, devem estar tão abandonados que é possível considerá-los perdidos. Pobre e vil guitarreiro... enamorar-se por quem não devia. A beleza, o garbo daquela Dona... ah! Como poderia evitar! Ele que embora rude, sabia que o amor é o mais puro dos sentimentos, fez versos, teceu suspiros e de tanto seus olhos implorarem aquela Dona, ela consentiu, contudo não o queria-bem. Veio o inverno e a geada secou o campo, numa noite ela dormiu na estância para no outro dia não estar mais ali... partiu esquecendo de devolver ao nosso guitarreiro o que ele lhe tinha dado...
Quando chega a noite cumpre com seu ritual: um cepo, uma guampa de canha, a guitarra e um rosto vazio.
Prima, bordão, terça... e um rosto vazio, somente.


Porto Alegre, quarto-crescente de abril.

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