sábado, setembro 11, 2004

Tic-tac

"Ao toque do meio dia, todas as pessoas desta cidade deverão encontrar-se na câmara dos vereadores para tratar assunto de suma importância. " Era o que dizia o anúncio da rádio e, também, aqueles que foram espalhados por toda a pequena cidade. Sem mais especificações nem diretrizes. O que causou grande alvoroço e inquietação nos munícipes. Enquanto as fofoqueiras de plantão tentavam encontrar qual a razão da convocação, o prefeito, doutor Siqueira, tentava colocar no papel a pauta da reunião. A qual, nem ele sabia bem como abordar: "como falarei... serei capaz de ..." sabia ele que quando as dúvidas são tamanhas a alma fica como que num abismo indissolúvel, escuro e frio impenetrável pela razão, devido as sombra de que a emoção as cobria. O pior era que o relógio insistia em um tic-tac muito mais veloz do que o habitual. Como queria não ter que passar por tudo aquilo, nunca deveria ter saído da estância do pai, Coronel Siqueira, onde o gado e as ovelhas não pediam explicações de suas atitudes por mais insanas que fossem, ou parecessem ser. Mas o tempo real em nada parece-se com o virtual, queria que tudo fosse como os filmes que o filho volte e meia trazia da capital - as partes que não gostava, pulava e as de seu apresso via e revia à reviria.
Menos de uma hora para a tão esperada reunião, menos de uma hora para a desgraça total de sua carreira política. Carreira que nunca almejara, lembrava muito bem do dia que disse para o coronel Siqueira, seu pai, que preferia a música as reuniões cheias de bajulações e discussões infindáveis. Apanhara tanto que desse dia em diante nunca mais tocara na guitarra. Quantas e quantas vezes quis tê-la novamente junto do peito fazendo tinir as seis cordas bordoniando solito alguma copla mui mansa, estas simples e singelas lembranças trouxeram-lhe algum alento mas nada tirava o tic-tac do relógio da mente.
Como ficariam sua mulher e seus filhos ao saberem que seu pai?imaginava Isabel a chorar e o pequeno Ramon a tentar consolar a mãe e Esteves, com certeza esbravejaria quebraria alguma coisa da casa. Os que mais amamos são as vezes os que mais nos magoam e ferem, como Caim a seu irmão... pensar na vida e nas conseqüências de nossos atos, sempre trazem alguma maldita chaga que tempo algum apaga. Feridas são sempre feridas e embora, saradas deixam cicatrizes como sinal de que nunca nos esqueceremos de que os atos nossos ou de outros não são ações jogadas ao vazio, pelo contrário, têm destino certo: o coração daqueles que insistem que a vida é mais pensada do que vivida.
Ninguém poderia imaginar o que passava-se na mente do prefeito a não ser ele próprio. Nem o padre, nem o juiz de direito poderiam ajudá-lo. Era ele e o destino feroz que lhe batia na porta.
Quem acredita em justiça!? Gritava para as quatro paredes do gabinete. E pensar que quando saíra da estância bombeava um futuro melhor. Agora com ganas de touro alçado tinha que engolir o guisado que lhe preparava o destino. E das coplas e das esperança nada ficou. Somente a honra, sua e de seus ancestrais poderia ser preservada num último ato de valentia.
Na escrivaninha de mogno primeira gaveta à direita pegou a bereta que fora do seu avô. um estampido seco, o golpe no chão e mais um bravo que foge da vida por não ter forças para lutar.

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