quarta-feira, março 29, 2006

"E no entanto ela estava ali, como um moirão fincado, parado, querendo ser o que ela queria que eu fosse. Ficaria, sim. Por meu coração eu ficaria. havia dito que um escritor precisava compreender as pessoas, gostar delas. Não, não devia generalizar, não devia falar senão por mim mesmo. Compreender, amar, no meu amor jamais coubera uma retirada, ainda que em nome de alguma consciência." (Semaria do urutau mugidor, Sérgio Faraco)


Vir do campo para a cidade não fora fácil. Deixar pai e mãe, primos, vizindário, amigos, bicharedo... Não, não fora fácil. Solito, ali naquela quarto de pensão, bombeando pro teto, tentando encontrar algum bom motivo para não voltar. O emprego era ruim, pagava pouco. Amigos, ainda não possuía. Contudo, não eram motivos para ficar que procurava, pois o tinha, mas para partir. O que o fazia ficar!? Era uma mocita mui triste que mal-e-mal lhe dirigia a palavra. Sabia que tinha trocado o campo por outro, mais verde e mais triste que lhe inspirava, redimia. Lembrava-se bem, fora num domingo de manhã que a vira pela primeira vez: cabeça baixa, ombros arqueados e um vestido de chita simples, os cabelos eram de um negror de noite e a pele branca, dos olhos, quase sempre baixos, saiam trevais. Achara que ela era bela e pura. As semanas foram passando e os encontros não passavam de experiências fortuítas. Contudo, cada vez que a via um misto de satisfação e melâncolia lhe abatia alma. Nunca até então a vira sorrir, no entanto, no catre, imaginava mil vezes sorrindo e sorria também. Numa manhã à mesa, sentaram-se perto um do outro e, ao passar o bule de café, suas mãos se tocaram. Sentiu um calor correndo pelo corpo e um calafrio, ela se fechou ainda mais para fugir dali, pouco tempo depois. Não fazia idéia do porquê desta fuga, mas conjeturava: medo, vergonha... não sabia ao certo. Os dias passavam lentos como carretões carregados e ele ali, silente e solito, bastavam para si os olhares roubados, os rubrores do rosto e as fugas inesperadas. Os dias naquele lugar começaram se tornar pesados, incomodos. Até que, numa manhã, decidiu, ia embora - arrumou as troxas, vestiu as botas e o chapéu e se dirigiu até o escritório, onde D. Maria recebia os inquilinos. A conversa fora seca e curta, disse-lhe que precisava partir, mas que não era nada com a casa ou com alguém da pensão, seus motivos eram pessoais. A senhora tentou demovê-lo do intento, contudo não obteve sucesso. Feito o acerto, lavrado os recibos, enfiou o chapelão na cabeça, baixou-a e foi rumo a porta, o que justamente nãp queria era olhar para lado algum, não conseguiu. Quando saia do escritório, pode ver o mais verde dos campos e a lua mais branca parada ali, a poucos metros. Ela lhe mirava com candura e sentimento, parecia implorar algo que ele não entendia, não escutava, pois era sussuro de vento, brisa de inverno. Por segundos tudo se moveu devagar. Olhou nos olhos, via-os vermelhos, baixou a cabeça e saiu. Dizem que num fundão de campo ele ponteia uma guitarra e que em noites de lua cheia, soluça baixo uma copla singela que ninguém nunca entendeu.

Porto Alegre, nova de março.

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