quarta-feira, julho 14, 2004

Ao Vô Davi

Muito do que sei sobre gauchismo vem de meu avô, Davi Loureiro de Mello. Foi com ele que aos seis anos pontiei pela vez primeira a guitarra, aprendi a respeitar os mais velhos e o valor enorme das amizades e também a considerar todos como meus semelhantes de dignos de consideração. Com o vô Davi carpia, colhia frutas e pescava mui paciencioso sempre pronto para o bom concelho e a repreensão amorosa. Quando jovenzito meti-me a ginete, foi dele que ouvi as gargalhadas por causa da patacoada. Não me lembro de Ter ouvido uma palavra rude ou desreipetosa sair daquela boca, pelo contrário, a todos cumprimenta e por todos é bem quisto. Ao vô Davi devo muito do que sou, e nele ainda me espelho pois, esse velho maragato tem muito para me ensinar.

Canto aos Avós
Apparicio Silva Rillo

Os avós eram de carne e osso.
Tomavam mate, comiam carne com farinha,
campereavam.
Sopravam a chama dos lampiões, dormiam cedo.

Os avós tinham braços e pernas e cabeça
(olhai os seus retratos nas molduras).
Laçavam de todo o laço, amanuseavam potros,
fumavam grossos palheiros de bom fumo
e amavam seus cavalos que rompiam ventos
e bandeavam arroios como um barco ágil.

Usavam lenços sob a barba espessa
e o barbicacho lhes prendia ao queixo
sombreiros negros para a chuva e sóis.
Palas de seda para as soalheiras,
ponchos de lá quando a invernia vinha.

Tinham impérios de flechilha e trevo
e famílias de bois no seu império.
E eram marcas de fogo os seus brasões.

Charlavam de potreadas e mulheres,
de episódios de adaga contra adaga,
do tempo, das doenças, das mercâncias
de gado gordo para os saladeiros.

Tinham homens a seu mando, os avós.
No quartel rude dos galpões campeiros
- enseivados de mate e carne gorda -
os empíricos soldados madrugavam
na luz das labaredas de espinilho
que era sempre o primeiro sol de cada dia.

Honravam os avós a cor dos lenços:
- a seda branca dos republicanos,
o colorado dos federalistas.
E morriam por eles, se preciso,
- coronéis de milícias bombachudas
acordando tambores nos varzedos
no bate casco das cavalarias.

Nas largas camas de cambraias alvas
vestindo o corpo da mulher mocita,
juntavam carnes no silêncio escuro
pautado por suspiros que morriam
no contraponto musical dos grilos...

Os avós eram de carne e osso.
Tinham braços e pernas e cabeça,
artérias, nervos, coração e alma.

Humanos como nós, os velhos tauras,
mas de bronze e de ferro nos parecem
esses campeiros que fizeram história.
Estátuas vivas de perenidade
nos pedestais do tempo e da memória.

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